Apresentaremos a crônica “Heróis sem nome” selecionada pela Comissão Julgadora de Criciúma para participar da
etapa estadual da 4ªedição da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o
Futuro.
A crônica foi escrita pela
aluna Jéssica Sipriano de Freitas, sob orientação da professora Eliane Tezza
Bortolotto, da Escola Municipal de
Ensino Fundamental Padre José Francisco Bertero.
Heróis sem nome
Carros
passam diariamente em frente a minha casa, mas neste dia, às três da tarde, um
carro diferente chama minha atenção.
Ele é branco
e os vidros são escuros, por isso não posso ver o motorista, mas posso ver uma
grande caixa de som cuidadosamente presa ao teto do automóvel.
O carro se
desloca lentamente através da estrada com a caixa de som ligada aparentemente
no volume máximo. O som é tão alto que quando se aproxima mais, chega a
machucar meus ouvidos os quais tento proteger, cobrindo-os com minhas mãos.
Assim que
ele está a uma distância confortável, paro para escutar. O automóvel anuncia o
próximo jogo do Criciúma, time que carrega o mesmo nome da minha cidade,
convocando os torcedores para irem ao estádio Heriberto Hülse empurrarem o
"Tigre" para mais uma vitória.
Quando o
anúncio acaba, o hino do Criciúma começa a tocar e, por algum motivo, eu começo
a prestar atenção no que cada verso da canção fala. Os primeiros, em especial,
chamam a minha atenção: "Lembrando os heróis do passado que escreveram
seus nomes na história..."
A frase
ressoa em minha cabeça repetidamente enquanto eu observo ao longe as folhas de
uma palmeira e, por um instante, parece que elas se movem ao som do hino.
Sem motivo
aparente, me pego pensando sobre quem seriam os heróis do passado. Os
ex-jogadores do Criciúma Esporte Clube, antigo Comerciário? Os prefeitos, que
governaram essa cidade com sabedoria? Não sei.
Sempre que
alguém menciona Criciúma, o que vem de forma imediata a minha mente é
"Cidade do Carvão". Carvão esse que foi comprovadamente um dos
principais responsáveis por alavancar o progresso da cidade. Carvão esse que
foi extraído de minas por homens que arriscavam suas vidas todos os dias com
nada além de um par de botas e um capacete, armados apenas com sua coragem. E
ninguém sequer sabe quem são esses homens.
Eles são
anônimos, mas fizeram muito mais pela nossa cidade, me arrisco a dizer, do que
qualquer um. Eles fizeram história, mas onde escreveram seus nomes? É comum
encontrar praças, ruas, ginásios, estádios, instituições com nomes de
políticos, de empresários, mas não com o nome de um mineiro.
Aliás, o
único espaço público que eu conheço em minha cidade que preste uma homenagem a
esses bravos guerreiros é o monumento ao mineiro, que fica na Praça Nereu
Ramos, no centro da cidade. "Aos homens do Carvão", diz a inscrição.
Homens do carvão, sem nome próprio, sem sobrenome. Anônimos, generalizados sob
o título de mineiros, representados na praça do monumento por uma fria estátua
de bronze.
Eu conheço
um mineiro. Meu pai, o homem mais corajoso que já conheci! Lembro de quando ele
saía de casa durante a madrugada para ir trabalhar, tomando cuidado para não
acordar ninguém. Lembro de quando eu não queria ir dormir, porque sabia que
quando acordasse meu pai não estaria mais ali. Lembro de todas as vezes em que
me sentava perto dele, preparada para escutar atentamente mais uma história.
Em uma
dessas histórias que escutei muito mais de uma vez, meu pai contava que ele e
um grupo de mineiros quase morreram trabalhando. Então me pergunto quantas
vezes isso deve ter acontecido em outras minas, com outras pessoas. Será que
essas outras pessoas tiveram a sorte de sobreviver, assim como meu pai? Ou será
que elas se foram dessa vida, silenciosamente, anonimamente como viveram, sem
deixar seus nomes na história?
Quantos
milhares de homens morreram embaixo de minas e sem eles quantas famílias
fraquejaram? Quantos órfãos de pais heróis, quantas esposas desconsoladas esses
homens deixaram para trás?
Volto a
observar o movimento na estrada e ao longe ainda consigo ouvir o carro a tocar
o hino. Sorrio, ouvindo os primeiros versos da canção, desta vez sabendo com
convicção a resposta a minha pergunta inicial: quem são os heróis do passado?
Para mim, os
heróis do passado não são ex-atletas, nem ex-políticos, nem ninguém
reconhecidamente famoso. Eles são pessoas comuns. Pais de família. Homens
anônimos. Seus nomes poucos conhecem, mas seus exemplos fizeram e continuam
fazendo a história desse chão, da minha Criciúma, sempre Capital do Carvão.
Parabéns Jéssica!