Jornal de Cocal: dia 23 de agosto de 2006
Ana Cousseau
Dizem que só entende o amor de mãe quem tem filhos. Falam que a dor da morte só pode ser compreendida por quem perdeu um ente querido. Pessoas que sofreram preconceito racial afirmam que o “branco” não tem noção do que isso significa. Quem sai do hospital após uma crise renal coloca o seu sofrimento com algo inexplicável. Vítimas de acidentes graves falam que não há palavras para descrever o horror vivenciado. Alguns idosos dizem que só sabe o que é saudade quem passou dos cinqüenta anos. Diante disso, e depois de ter sido tocada por uma parte do filme “Amor sem fronteiras”, pergunto-me: Se nunca passei fome, posso dizer que entendo a dor das pessoas que não têm o que comer ou que sobrevivem com migalhas?
Lemos reportagens sobre as misérias da África, assistimos documentários mostrando nordestinos paupérrimos comendo pedaços de cactus, encontramos pedintes maltrapilhos nas ruas, conhecemos crianças que freqüentam a escola pensando no lanche servido no recreio e de vez em quando, nos lembramos da fome porque tivemos que atrasar o horário do nosso almoço.
Na semana passada, encontrei alguns alunos rindo da tenebrosa aparência facial de um menino negro, raquítico e doente. A imagem foi recortada de uma revista e estava jogada sob uma das carteiras. Aquelas risadas não eram maldosas, eram de uma pureza inigualável. Por mais estranho que pareça, foi isso que eu senti. Após conversar com aquela turma, tive a certeza de que não me enganara. Um deles afirmou que a viu de relance e pensou que era um macaco. E, se fosse um macaco, qual era a graça? Outro quis saber se aquela foto era real. E, se não fosse real, qual era o motivo do riso? Mas, a maioria deles não havia associado aquele rosto transfigurado com a falta de comida, de água, de remédio, de cuidados e de amor. E, todos que estavam naquela sala, não sabem o que é a dor da fome.
Provavelmente nossas famílias sofrem restrições financeiras, mas, sempre há algo para pôr à mesa. Acho que eu e meus alunos, hoje, temos mais opções de alimentação do que nossos pais tiveram. Lembro-me que quando eu era criança nem sempre havia café, então, fazíamos chá de erva-mate. A gente adorava “pão branco”, aquele feito apenas com farinha de trigo. No entanto, por questão de economia, minha mãe fazia “pão misturado”, no qual ela misturava farinha de milho. Mais econômico que isso, só a polenta. Era “polenta quente” – aquela que comemos assim que é retirada da panela de ferro - e leite no jantar ou sopa de feijão, que por aqui chamam de minestra. E, no café de manhã polenta sapecada na chapa do fogão a lenha com leite. Nem sempre tinha “açúcar branco” para adoçar o leite, então, usávamos o “açúcar amarelo”, ou seja, o mascavo. No domingo, havia um almoço especial com frango assado e macarronada. É claro que o preparo era mais demorado porque tudo era caseiro. De qualquer maneira, os tempos mudaram e os hábitos alimentares também.
O que importa é que temos comida na quantidade necessária em nossa casa. Ou o que realmente importa é que há pessoas passando fome? Pior ainda, há gente morrendo de fome. Mas, tudo isso nos é tão distante! Distante no sentido de não estarmos vendo a morte acontecer dessa maneira tão cruel e também porque nos sentimos impotentes para fazer algo.
Sem conseguir amarrar direito os pensamentos e sentimentos que envolvem esse texto, concluo recordando uma pergunta que uma criança desnutrida fez à mãe antes de morrer: “Mãe, no céu tem pão?” Eu não inventei. Isso aconteceu em nosso país a mais de dez anos!
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