domingo, 14 de setembro de 2014

Heróis sem nome



Apresentaremos a crônica “Heróis sem nome” selecionada pela Comissão Julgadora de Criciúma para participar da etapa estadual da 4ªedição da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro.
A crônica foi escrita pela aluna Jéssica Sipriano de Freitas, sob orientação da professora Eliane Tezza Bortolotto, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre José Francisco Bertero.
https://www.youtube.com/watch?v=zTD6QiWQ5Z0&feature=youtu.be
Heróis sem nome

     Carros passam diariamente em frente a minha casa, mas neste dia, às três da tarde, um carro diferente chama minha atenção.
     Ele é branco e os vidros são escuros, por isso não posso ver o motorista, mas posso ver uma grande caixa de som cuidadosamente presa ao teto do automóvel.
     O carro se desloca lentamente através da estrada com a caixa de som ligada aparentemente no volume máximo. O som é tão alto que quando se aproxima mais, chega a machucar meus ouvidos os quais tento proteger, cobrindo-os com minhas mãos.
     Assim que ele está a uma distância confortável, paro para escutar. O automóvel anuncia o próximo jogo do Criciúma, time que carrega o mesmo nome da minha cidade, convocando os torcedores para irem ao estádio Heriberto Hülse empurrarem o "Tigre" para mais uma vitória.
     Quando o anúncio acaba, o hino do Criciúma começa a tocar e, por algum motivo, eu começo a prestar atenção no que cada verso da canção fala. Os primeiros, em especial, chamam a minha atenção: "Lembrando os heróis do passado que escreveram seus nomes na história..."
     A frase ressoa em minha cabeça repetidamente enquanto eu observo ao longe as folhas de uma palmeira e, por um instante, parece que elas se movem ao som do hino.
     Sem motivo aparente, me pego pensando sobre quem seriam os heróis do passado. Os ex-jogadores do Criciúma Esporte Clube, antigo Comerciário? Os prefeitos, que governaram essa cidade com sabedoria? Não sei.
     Sempre que alguém menciona Criciúma, o que vem de forma imediata a minha mente é "Cidade do Carvão". Carvão esse que foi comprovadamente um dos principais responsáveis por alavancar o progresso da cidade. Carvão esse que foi extraído de minas por homens que arriscavam suas vidas todos os dias com nada além de um par de botas e um capacete, armados apenas com sua coragem. E ninguém sequer sabe quem são esses homens.
     Eles são anônimos, mas fizeram muito mais pela nossa cidade, me arrisco a dizer, do que qualquer um. Eles fizeram história, mas onde escreveram seus nomes? É comum encontrar praças, ruas, ginásios, estádios, instituições com nomes de políticos, de empresários, mas não com o nome de um mineiro.
     Aliás, o único espaço público que eu conheço em minha cidade que preste uma homenagem a esses bravos guerreiros é o monumento ao mineiro, que fica na Praça Nereu Ramos, no centro da cidade. "Aos homens do Carvão", diz a inscrição. Homens do carvão, sem nome próprio, sem sobrenome. Anônimos, generalizados sob o título de mineiros, representados na praça do monumento por uma fria estátua de bronze.
     Eu conheço um mineiro. Meu pai, o homem mais corajoso que já conheci! Lembro de quando ele saía de casa durante a madrugada para ir trabalhar, tomando cuidado para não acordar ninguém. Lembro de quando eu não queria ir dormir, porque sabia que quando acordasse meu pai não estaria mais ali. Lembro de todas as vezes em que me sentava perto dele, preparada para escutar atentamente mais uma história.
     Em uma dessas histórias que escutei muito mais de uma vez, meu pai contava que ele e um grupo de mineiros quase morreram trabalhando. Então me pergunto quantas vezes isso deve ter acontecido em outras minas, com outras pessoas. Será que essas outras pessoas tiveram a sorte de sobreviver, assim como meu pai? Ou será que elas se foram dessa vida, silenciosamente, anonimamente como viveram, sem deixar seus nomes na história?
     Quantos milhares de homens morreram embaixo de minas e sem eles quantas famílias fraquejaram? Quantos órfãos de pais heróis, quantas esposas desconsoladas esses homens deixaram para trás?
     Volto a observar o movimento na estrada e ao longe ainda consigo ouvir o carro a tocar o hino. Sorrio, ouvindo os primeiros versos da canção, desta vez sabendo com convicção a resposta a minha pergunta inicial: quem são os heróis do passado?
     Para mim, os heróis do passado não são ex-atletas, nem ex-políticos, nem ninguém reconhecidamente famoso. Eles são pessoas comuns. Pais de família. Homens anônimos. Seus nomes poucos conhecem, mas seus exemplos fizeram e continuam fazendo a história desse chão, da minha Criciúma, sempre Capital do Carvão.  

Parabéns Jéssica!

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