domingo, 14 de setembro de 2014

Sinais do tempo, marcas de saudade



Apresentaremos o texto de memórias literárias “Sinais do tempo, marcas de saudade” selecionado pela Comissão Julgadora de Criciúma para participar da etapa estadual da 4ªedição da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro.
O texto de memórias foi escrito pela aluna Camille Mezzari Generoso, sob orientação da professora Eliane Tezza Bortolotto, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre José Francisco Bertero.
https://www.youtube.com/watch?v=G2dfgUF8dEE&feature=youtu.be
Sinais do tempo, marcas de saudade
     Parece que foi ontem que ainda menina ia à escola com meus irmãos, sentindo as pedras da estrada machucarem meus pés, pois as sandálias de dedos já estavam gastas.
     O caminho era longo, cheio de árvores, pássaros, plantações de milho e cana-de-açúcar. Bom, pelo menos a paisagem que enchia de verde nossos olhos e a orquestra que brindava de graça nossos ouvidos compensava o cansaço e a dureza da caminhada.
     Minha professora era rígida e ainda posso sentir a lembrança da régua a me bater, sem grande motivo. Na volta pra casa, pegava uma cana-de-açúcar para aliviar a fome. O doce sabor da cana me traz água na boca. Gosto de infância!
     Tenho saudade das brincadeiras com meus irmãos, da algazarra nas refeições, da alegria nas festas em família e das noites de lua cheia quando nossa folia irritava os vagalumes, que riscavam o céu com suas pequenas lanternas. Nas laranjeiras fazíamos competições: quem chegasse ao topo mais rápido, ganhava. O prêmio ao vencedor? Ser o vencedor! Lá no alto podíamos admirar os ninhos dos passarinhos, conversar coisas de irmãos, falar sobre nossas dúvidas e medos, contar segredos e até algumas mentiras, que de tão inocentes nem era pecado contar. Nos sábados à tarde, com o sol faiscando, íamos brincar num riozinho de águas limpas, sem poluição, onde os peixes nadavam tranquilos e ainda tomavam parte nas brincadeiras, pois beliscavam nossas pernas, dividindo gentilmente conosco um espaço que era deles. Quanta alegria!
     Ajudar minha mãe era meu serviço, já que minhas irmãs eram pequenas e meus irmãos iam com meu pai para a roça. O trabalho era cansativo e às vezes minhas mãos de menina reclamavam tantas tarefas diárias. As mesmas águas do rio nem sempre serviam à diversão, pois era ali que lavava roupa todos os dias.
     Quando o sol pintava de fogo o horizonte, era hora de voltar para casa e como não tínhamos luz elétrica, as noites eram longas e misteriosas, cheias de ruídos de sapos, grilos e outras criaturas da noite. Ao amanhecer, ouvíamos o canto dos passarinhos e do galo anunciando um novo dia.
     Mas essa natureza que preenche meu álbum de recordações com tão belas gravuras, também me traz lembranças trágicas, como as tempestades e seus raios, que como flechas impiedosas faziam suas vítimas. Perdi um irmão e um primo atingidos por raios, o que era comum naquele tempo onde havia poucas casas e grandes áreas desabitadas. As enchentes também eram devastadoras e a pior foi a de 1974. Foi em cima da armação da casa sem forro que colocamos o que de mais valor tínhamos com medo de que as águas invadissem tudo. Dias e noites de vigília. A tristeza abalava a todos, pois perdemos desde plantações até animais, que eram os mais afetados, pois não havia abrigo para todos. A força das chuvas fazia nossa velha casa de madeira balançar, deixando a todos amedrontados.
     Quando a chuva parou e a água abaixou, o cenário a nossa frente tinha muito pouco daquele que nossos olhos conheciam de cor, mas não era hora de fraquejar e sim de recomeçar. E foi o que fizemos.
     Nos domingos íamos todos à igreja. Isso era sagrado para meus pais, assim como a reza diária do terço. Era na fé que encontrávamos forças para lutar, mesmo depois de tantas perdas.
     O tempo passou e o interior de Jacinto Machado não oferecia muitas oportunidades de trabalho. Mudei-me para Criciúma depois do Ensino Médio completo e com meus 33 anos na mala. Morar na Capital do Carvão era um desafio e a adaptação há 18 anos não foi tão fácil assim. Foi um choque para os meus olhos acostumados com tanto verde, com a calma e o silêncio viver num lugar onde tudo anda tão rápido. Pessoas sempre apressadas, muitos carros, prédios, barulho e cheiro de progresso.
     Mas aqui era agora meu novo lugar, onde construiria a minha família, o lugar do meu futuro, da continuação da minha história, lugar que me recebeu de braços abertos e me presenteou com tantas coisas boas!  E foi esse o pedaço de chão que escolhi para viver outros sonhos.
     No baú das recordações passadas ficou minha terra natal e, vez ou outra a saudade vem me visitar, mas olhando o hoje e o horizonte do futuro é aqui em Criciúma que eu me vejo e em nenhum outro lugar.

Parabéns Camille!

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